quinta-feira, 26 de julho de 2012

O baile

Toda máscara tem duas aberturas na área dos olhos, para que, mesmo quando privamos o mundo de ver nossa verdadeira face, consigamos, mesmo assim, enxergar. Com a idade, as pessoas vão, aos poucos descobrindo que é tão cômodo, é tão mais seguro esconder a fisionomia, que passam a achar que não vale mesmo a pena presentear o mundo com transparência.
No entanto, são justamente os olhos que desmentem as máscaras. Eles estão e estarão para sempre lá, descobertos. E eu, da mesma forma que você, mesmo vivendo num interminável baile de máscaras, já aprendi a olhar através da porcelana, a fitar os olhos tristes que estão logo acima do sorriso radiante.
No entanto, o que eu enxergava era tão bonito que me parecia apenas a mais bela máscara do baile, uma plástica distração que me transformaria em joguete, hipnotizada por aquela face que ostentava dolorosa beleza. Até hoje apalpo teu rosto procurando emendas, desníveis, vestígios de cola ou encaixes bem-feitos, sem sucesso algum. Me deixei ser levada por tamanho encanto, e sigo flutuando em simples nuances de voz, sussuros inesperados e intrincados escritos

Abriu-se uma roda. Somos o par que dança alegremente entre os mascarados, sentindo na pele do rosto a brisa de lança-perfume que faz parar o tempo, devidamente despidos das máscaras.


O conformismo do eu

A vontade nunca foi a de ser uma unanimidade, aliás, deve ser entediante sê-la. Sempre fui um pouco audaciosa, um pouco diferente,  um pouco apontada, um pouco falada. Tantos poucos que, inevitavelmente, acabaram por me tornar também um pouco polêmica.                                                                                                                                                        Existem vezes em que tenho o ímpeto de gritar mais alto contra aquilo que ouço, outras em que me restrinjo à mudez inconformada. Posso correr pra longe mesmo que respeitando a retidão das linhas, dos pensamentos, das crenças e não importa o esforço para não pisar fora do espaço tracejado, ninguém faz questão de admitir enxergá-lo. Aos olhos dos outros as atitudes são uma constante insuficiência, a assinatura dos documentos está sempre a passar  da validade e cabe às palavras se perderem em algum lugar do espaço.
Sempre fui um pouco pré-julgada.
O esforço, a vontade ou o merecimento, pouco valem. A gente não consegue fugir do que é, nem do que disperta espontâneamente – ou não! – na sentença dos outros. Seja ela justa ou nem tanto.  E sabe o que?  O tempo ensina a lidar com essa circunstância e a matar a sede de querer mudá-la a qualquer custo.
Sou um divisor de águas. Duvido do dia em que entrarei em algum pedaço desse mundo, irei me deparar com mais uma pequena fração dentre o grupo de 6 bilhões de habitantes e não dividirei as mais opostas opiniões.

Mas eu? Eu sempre fui infinitamente mais exigente do que a banca julgadora.

Extremamente Alto & Incrivelmente Perto

Precisamos de bolsos muito maiores, pensei ao deitar na cama, contando os sete minutos que uma pessoa leva em média para dormir. Precisamos de bolsos gigantescos, bolsos grandes o suficiente para nossas famílias, nossos amigos e até mesmo as pessoas que não estão em nossa lista, pessoas que nunca conhecemos mas ainda sim desejamos proteger. Precisamos de bolsos para distritos e cidades, um bolso que pudesse conter o universo.
Oito minutos e trinta e dois segundos…
Mas eu sabia que não podia haver bolsos tão gigantescos. No fim, todo mundo perde todo mundo. Nenhuma invenção poderia evitar isso, portanto me senti, naquela noite, como a tartaruga que tinha sobre si o resto do universo.
Vinte e um minutos e onze segundos…

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Há quem fale em séculos, eu só penso no minuto que passa .

A gente passa a vida inteira se perguntando quem somos, e ignorando o fato de que podemos ser qualquer coisa que quisermos. O desejo de escolha por ser algo, é atribuído ao nosso corpo desde quando choramos pela primeira vez, desde que soltamos ao mundo nosso grito de chegada, e passamos os retos dos dias procurando novas maneiras de se fazer isso. De gritar e avisar o quanto vivemos e queremos um lugar. Lugar esse que se encontra totalmente inserido em nós. Embora, possivelmente poucas pessoas sejam capazes de notar tal estabelicento, o restante luta todos os minutos por outros lugares. Na vida de alguém, em um campo ocupacional, em uma fileira de cinema. Deixamos nos dominar pelo auto conhecimento que se estabelece através de coordenadas de onde nos encontramos. Estou aqui, por isso, sou o que sou. Não. A realidade esta tão perto. Se encontra tão ao nosso alcance. Toquemos nossas mão e somos capazes de sentir nossa real moradia. Nosso desejo de ser o que somos independente de onde estamos. Somos aquilo que nossas atitudes frequentes nos mostram. Somos aquilo que sentimos, aquilo que amamos. Somos tudo que somos capaz de sonhar em ser.
Toquemos novamente nossas mãos, para sentirmos toda a capacidade de escolha do ser.
Nosso lugar.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

não passa



 Não era a primeira vez. Também não era a segunda. Talvez a terceira, não sei ao certo... Fui avisada que a cada vez seria diferente, que seria como se fosse a primeira, que voltaria ao começo, mas isso não fez com que eu estivesse mais preparada. Não importa quantos fins nós enfrentamos, esse não é o tipo de coisa que se acostuma, que fica fácil de se fazer. Não é o tipo de coisa que nos preparamos. A gente nunca acha que será preciso virar fim. Viramos tanta coisa em vez disso, viramos textos, poesia, bares e livros. Viramos dor para não virar fim. Mas até a dor se cansa de nos visitar, até olheiras cansam de serem expostas e o bares são limitados. Ai começa tudo de novo. Choramos, agarramos nossas pernas, ficamos todos encolhidos para recordarmos que não é a primeira vez. O maior consolo vem do nosso próprio abraçado, os melhores conselhos vem do nosso passado, nossas decisões vem com o tempo disso tudo. A gente não cansa de lutar, não cansa de receber socos no estomago, nem de querer ir em frente, mesmo deixando partes de nós mesmo pelo caminho. Não é cansaço, pelo contrario, é força. É força para lembrar que das outras vezes a gente prometeu que merecíamos coisa melhor. E tivemos. Por um tempo. Nada que é muito bom por pouco tempo é bom o suficiente.O melhor dura, se faz durar. Se faz presente, se faz único. Não adianta ser inteiro em certos momentos e metade nos momentos errados. Tem que fazer valer. Saímos da ilusão de que esqueceremos no dia seguinte, e do sofrimento pelo fato que não será assim. Nós nos conformamos. Sabemos que ainda haverão choros, músicas com carga máxima de lembranças, e saudade. Vai vim angustia nas noites do final de semana, vão haver borboletas no estomago quando o celular e campainha tocar, vai haver morte de todas elas ao percebermos que quem seguiu em frente não foi apenas nós. Mas ai a gente lembra que passou. Alguns demoraram mais que outros, mas passou, sempre passa. Mas só passa quando a gente aceita isso, quando permitimos que passe. Não passa se acharmos que saindo de mini saia ela ficara com ciume, não passa se tivermos esperança de esbarrarmos com ela pelas ruas, não passa quando ainda tem depois. Tentando lembrar de quais livros li das outras vezes, de quantas vezes sai por semana, ou se preferiria ficar em casa, se lembrar das coisas ruins tornavam mais fácil ou apenas mais dolorido. Mas não adianta, é sempre como se fosse a primeira vez. De novo é apenas comigo. Seguir os conselhos que tanto dei pelas rodas de amigos. Seguir meus conselhos. Meus passos. Não, não fica fácil de fazer depois das primeiras vezes. Fica fácil de acreditar que da para ser feito. Passou das outras vezes. Tão difícil quanto, mas passou. Deve passar dessa vez também.

terça-feira, 10 de julho de 2012

Fraturas, dias frios e solstícios


Tudo pode ser facilmente comparado a um acidente grave que causou uma fratura.
Logo após o acidente, você é levada a férias na Patagônia, no inverno, sem consulta prévia. Fica lá por semanas, perdida, sem motivos para querer aquecer-se e sair. Quase morre de hipotermia. Nem é preciso descrever a dor excruciante que tudo isso causa na fratura. Depois de um certo tempo até consegue sair de lá, ir para uma cidade com clima temperado, onde as noites são um pouco frias demais, solitárias, e a fratura incomoda um pouco. Com o decorrer do tempo se acostuma, junta dinheiro, muda-se para outra mais quente e sem períodos de frio. Ela não lhe incomoda mais.
Você encontra atividades que sempre te deixem aquecida, fazendo assim com que esqueça que a fratura existe. Só que, quando menos espera vem um solstício de inverno, e a noite mais longa do ano é também a mais fria e dolorosa. Você não encontra paz, apenas dor. A fratura, que parecia curada, incomoda e muito. Não apenas ela, mas a marca que o tempo deixou em sua pele. A marca é o que mais incomoda, não a fratura em si. Ela já está curada, não é mesmo? Mas todos sabemos que quando você quebra um osso, mesmo logo após muito tempo, em dias frios ela sempre vai te incomodar, aquele osso sempre vai doer. Vez em quando você será levada a uma cidade fria, por algumas horas talvez, não mais dias inteiros. Solstícios ocorrerão duas vezes ao ano, o que mais te incomodará acontecerá apenas uma vez. Depois você aprende a burlar a noite mais longa e fria do ano, aprende a se agasalhar e ficar bem. Analgésicos e cobertores serão seus melhores amigos. A marca talvez não te incomode mais.

Porque o pior de tudo não é o acidente, mas sim a marca que ele deixou em você.